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12/18/2008

(RE)TOMAR A REGALEIRA

Autoria: DEGRACONIS




Tencionava dar a conhecer somente as fotos deste post, pois julgava serem suficientes para entender as conclusões a que cheguei. Contudo pediram-me para que emoldurasse com algumas palavras as fotos que divulgo. Aqui ficam.

No âmbito das pesquisas que venho a desenvolver deparei-me com um ornamento no varandim do coro alto da Capela da Santíssima Trindade na Regaleira. Trata-se de um motivo escultórico dissimulado entre outros ornamentos.

Conheço as diversas publicações sobre a quinta, assim como os discursos de quem nos tem proporcionado visitas guiadas e em nenhum deles encontro referencias a este motivo inserido no coro alto da capela.

A primeira vez que o dei a conhecer a alguém foi no decurso de uma aulas sobre temas de Cultura Portuguesa na quinta em 2006. Após o ter denunciado comparece um dos responsáveis pela quinta para também o ver. Verificava-se ser um inédito. Ninguém até á data o tinha publicado ou noticiado publicamente.





Intriguei-me pela sua significação pois era bastante evidente não tratar-se de apenas um motivo decorativo. Pela sua posição no coro e pelos seus contornos bem definidos, os quais são mais fáceis de vislumbrar visto de trás, convidava a ser decifrado. Visto esta descoberta estar inserida no seio das minhas pesquisas foi fácil entender o seu significado e contextualiza-lo, apesar de algumas opiniões serem de que não tinha intenção simbólica. Que o leitor forme agora a sua opinião.

Aparentemente tratava-se de um III e um V, ou seja, talvez um VIII, o número Oito. Contudo, não deve ser ele encarado dessa forma. Era um 3 e um 5, no qual se encerram conceitos que irei desenvolver sumariamente de seguida.

Manifesta a Quinta da Regaleira a evocação de um Portugal Áureo que entrou em declínio em 1580. O espaço espelha os interesses e ideologias do seu patrocinador Carvalho Monteiro, as quais são ressuscitados através dos seus diversos símbolos e estilo arquitectónico. O arquitecto a quem se adjudica a obra, Luigi Manini, deslocou-se a Tomar e estudou cuidadosamente diversos monumentos onde predominava o estilo manuelino. No espólio de Manini podemos mesmo constatar fotos várias do Convento de Cristo.

Alguns comentários no blog denunciam a existência de uma ligação entre Tomar e Sintra, nomeadamente com a Quinta da Regaleira, tendo já surgido a ideia de Gualdim Pais estar nela sepultado. De facto, a quinta insere-se num couto que foi doado a Gualdim Paes mas será difícil acreditar que a ligação entre ambas não seja mais do que a partilha de uma ideia: a de um Portugal Providencialista destinado presidir o Quinto Império anunciado para a Terceira Idade de Joaquim de Fiori, a idade do Espírito Santo.

As ideias joaquimitas, visionárias de um novo período para a humanidade, são introduzidas em Portugal através da Rainha Santa Isabel e o rei D. Dinis os quais as impulsionam, assumindo estas em Portugal um modelo sem paralelo no resto da Europa. Modelo baseado no conceito de império, que se manifesta na coroação de uma criança ou de um pobre como Imperador. Esta ideia de coroação e poder profetizam de certa forma, ou podem ser encaradas, como a génese da ideia manifestada mais tarde pelo Padre António Vieira, a de Portugal como o V (Quinto) Império.

Um dos locais sagrados onde as Festas do Império se realizaram em tempos idos foi Tomar, apesar de só estarem documentadas a partir do século XIX. A Festa dos Tabuleiros efectivamente não é mais do que uma festa com raízes nas ideias decorrentes da Terceira Idade culminando com a distribuição de pão e bodo para o povo.

A própria arquitectura Manuelina é reflexo de um mundivisão de Portugal como arauto de uma nova era. Não foi o próprio D. Manuel a considerasse o novo Messias?

A educação de matriz Franciscana de D. Manuel, imbuída das teorias de Joaquim de Fiore que defendia uma visão trinitária da história, sendo a Terceira Idade a era da Confraternização Universal, do Amor e da Liberdade e à qual podemos ligar o misticismo do V Império, leva D. Manuel assumir a Monarquia Lusitana como fundadora e garante de um império de Deus. Com efeito, D. Manuel identifica-se como Salomão, como rei David, como novo César, como rei Mago, como Constantino e como Pai da Pátria, desta feita, simbolicamente como o Senhor ou Imperador do Mundo. Esta visão encontra raízes no carácter heráldico de que se revestia o milagre de Ourique, tão sobejamente conhecido, e onde Cristo aparece a D. Afonso Henriques investindo-o como fundador de uma Nação de origem Divina, assim como numa série de factos associados à vida de D. Manuel.

Evidentemente tal atitude deixou testemunho nos diversos campos da produção artística na época Manuelina sendo por excelência a arquitectura o suporte mais evidente, contudo o mais obscuro em termos de exegese simbólica. É corrente dizer que o Manuelino esconde um Segredo. Esse segredo partilha da simbólica que agora deciframos no motivo esculpido quatrocentos anos mais tarde no coro da Capela e que tão lucidamente nos ilumina sobre as ideias Manuelinas de Carvalho Monteiro, não obstante não ser ideia deste fazer recair em si o papel de redentor da Humanidade.

O blog não tem transbordado muito da temática templária, mas é inevitável que tal aconteça. A trajectória iniciada num possível projecto templário para Portugal, dá passagem de testemunho através da ordem de Cristo culminando nos descobrimentos Portugueses. Este período representa a concretização do profetizado destino universalista e ecuménico que Portugal foi comungando desde a sua fundação, rodeando-se de poliedras visões sobre a missão a que Portugal estava destinado. Desde as ideias gibelinas manifestadas na Monarquia de Dante, atravessando a procura de reinos perdidos, como o de Preste João, até à assunção da ideia utópica do V Império, Portugal é o conversor do mundo a uma nova Idade de Ouro.

O ideário sinárquico Templário terá encontrado expressão popular nas ideologias que constituíam os vectores das Festas do Divino Espírito Santo, sendo os responsáveis pela difusão dessas festas os mesmos que protegeram a ordem dos Templários convertendo-a em Ordem de Cristo, herdeira do seu património material e espiritual.

Este discurso vincado de teor milenarista e escatológico que persiste em Portugal, não se esgota no fim do período áureo de Portugal, prolonga-se na retórica sebastianista e encontra ainda eco nas palavras de Fernando Pessoa, António Quadros e mais uns quantos, espelha-se também no Neo-Manuelino da Regaleira. Que outro estilo arquitectónico poderia Carvalho Augusto Monteiro escolher que se adaptasse tão bem a uma actualização dos ideais cavaleirescos dos templários e da ordem de Cristo, da qual D. Manuel foi seu administrador?

Resta por fim apenas lembrar que os mais ilustres críticos de arte da actualidade tem tentado uma leitura da Janela do Capítulo em Tomar através da interpretação do sonho de Nabucodonosor, na parte que em se refere à Árvore Seca. Curiosamente deriva a apologia do V Império de um outro sonho do mesmo Nabucodonosor.

António Augusto Carvalho Monteiro evoca assim na sua obra e vida a ideia de António Vieira, que procura na “História do Futuro” o V Império e que Fernando Pessoa desdenha na história do passado. O motivo escultórico do coro manifesta assim a mesma ideia que a Janela do Capitulo em Tomar. Ambas de uma forma dissimulada. Não é a Árvore Seca símbolo do Império Universal?


Se não restam dúvidas de que existe uma intenção simbólica naquele motivo, pois a imagem fala por si, podemos ainda tentar dar mais um passo.

Esse IIIV encontra-se no centro da varanda do coro. Se intentarmos olhar por entre as frestas desse III e V o que vemos (v.filme 0:31 seg)? A Coroação, a pomba do Espírito Santo e ainda um monograma em forma de M (de Monarquia, Messias, Maria, Monteiro). Não nos remetem as ideias do V império e das festas do Espírito Santo precisamente para a Coroação de um Imperador ou Monarca sob a égide do Espírito Santo do qual a Pomba Branca é o seu expoente máximo em termos iconográficos?




Trata-se da pintura em cima do altar que retrata a Coroação da Virgem por Jesus Cristo presidida por uma pomba.

Serão estes factos todos apenas uma coincidência?

Conclusão: Carvalho Monteiro antecipa-se aos estudos que ainda hoje faltam sobre a demonstração de que o ideário que preside as Festas do Espírito Santo é o mesmo que se encontra no coração dos que construíram a ideia de Portugal como V Império, unindo-os através da Corda Manuelina que os entrelaça. Se as Festas do Espírito Santo revestem-se de teor universalista e o V Império de algum nacionalismo, no fundo são a mesma coisa, esperança, “Esperanças de Portugal”.

No texto apresentado optei por conduzir-vos numa viagem a partir do motivo do coro até à pintura no altar, mas em boa verdade toda a historia se processa por ordem inversa. Indícios na capela e na Virgem a ser Coroada impeliram-me a olhar na direcção do coro. Santa Maria é assim, ilumina-nos a visão. O IIIV foi apenas a confirmação do sonho.





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notas de rodapé
O tema não se esgota aqui e até se pode tentar outra leitura do símbolo mas acho que esta aproximação tem a força suficiente para ser publicada. Outro detalhe: No aro do pórtico da capela encontra-se dois medalhões com duas figuras em paralelo que podem ser eventualmente Padre António Vieira e Joaquim de Fiori. São dois rostos envelhecidos. Estranho estarem ao lado um do outro quando é usual se representar uma figura masculina e outra feminina, como podem verificar em todas as outras na quinta.
Aconselho os leitores a visitar a capela e a olhar mais perto a verdade que se esconde naqueles motivos. (o próprio III e o V têm uma marca que talvez não se veja nas fotos, mas terá que ser o leitor agora a dar o próximo passo). Peço desculpa por alguns erros e por nao explicar alguns conceitos, mas o texto foi escrito em tempo record e o espaço é curto.


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